Apresento aqui um excelente artigo sobre como as mudanças no mercado
atual estão exigindo cada vez mais das empresas uma cultura orientada para
inovação, melhor experiência do cliente, cultura empresarial flexível e ética.
Novos hábitos de clientes e funcionários aliados a entrada de novos
concorrentes em sinergia com os novos comportamentos estão pressionando os
lucros das grandes empresas e tirando o chão de seus investidores.
Por que Lemann diz que é um “dinossauro apavorado”
O que está tirando o chão do homem mais rico do Brasil são as mudanças
advindas de uma nova gente, que tem novos hábitos, vontades e certezas
Por Silvio Genesini
DINOSSAURO RECONHECIDO: empresário Jorge Paulo Lemann reconhece a necessidade de atualizar sua companhia para o novo mercado / REUTERS/| Lucy Nicholson |
Foi
uma declaração surpreendente de franqueza e fraqueza do principal líder
empresarial brasileiro, Jorge Paulo
Lemann. Teve pouca repercussão. Fora um artigo no portal desta
EXAME e pequenas reportagens em jornais e blogs, o assunto não
repercutiu. É bem verdade que foi em terras estrangeiras. Mas, a sinceridade
dos comentários, a propriedade das afirmações e a identidade do narrador, fazem
desta intervenção uma das mais simbólicas demonstrações dos desafios que
afligem as grandes corporações com as mudanças do mundo.
O cenário era uma conferência no
Milken Institute intitulada: Estratégia e Liderança na Era da Disrupção. O
moderador foi o editor executivo da Revista Fortune, Adam Lashinsky. Os
participantes, além de Lemann, foram Jim McCaughan, presidente da Global Asset
Management; Tim Sloan, CEO da Wells Fargo e Julie Sweet, CEO para a América do
Norte da Accenture.
Jorge Paulo foi o segundo a
falar, logo depois da diretora da Accenture. O moderador, provocativamente,
perguntou como ele, que é investidor em indústrias tradicionais e antigas, via
a inovação. Não sei se ironicamente, sinceramente, no espírito da provocação,
ou por todas as razões anteriores, Lemann disparou, sorrindo: “Eu sou um
dinossauro apavorado”.
E justificou que se sentia assim
depois de ter assistido a dois painéis: um sobre alimentos em que só falaram
sobre novos produtos e novas formas de produzi-los e um outro sobre
inteligência artificial, em que a conversa toda era sobre dados e analytics.
Percebeu que tinha vivido em um mundo aconchegante, de marcas consagradas e
grandes volumes, em que quase nada mudava, que podia se concentrar em ser
eficiente e tudo ficava bem. De repente tudo mudou. No supermercado há centenas
de marcas novas, o cliente não quer sair e quer que a entrega seja feita em
casa.
Em resumo, Jorge Paulo
demonstrou, em poucas palavras, que a ficha da disrupção caiu para ele e seus
sócios. Em outra intervenção, no mesmo painel, explicou qual era o modelo de
negócios das empresas da 3G e porque não funcionava mais. Baseava-se na
obtenção de dinheiro barato, que era usado para comprar marcas tradicionais de
produtos de consumo, que deveriam durar indefinidamente, com uma demanda sempre
crescente. Adicione-se a essa receita uma dose importante de corte de custos e
melhoria de eficiência e estava feito o bolo que não parava nunca de crescer.
O que mudou para que tão azeitado
modelo corresse o risco de não mais funcionar? O mais curioso é que, ao
contrário da grande maioria das organizações, a tempestade que os ameaça não
vem diretamente das transformações tecnológicas.
Em primeiro lugar, o custo do
dinheiro aumentou e os retornos diminuíram. Com a melhoria da situação
econômica dos Estados Unidos e Europa, as taxas, que ficaram por muito tempo
perto de zero, começaram a aumentar. Não há mais dinheiro barato como havia.
Em segundo lugar, e com muito
mais impacto, a onda do saudável e do orgânico cresceu e espalhou-se
irresistivelmente. Aqui, a internet, criadora e potencializadora de redes, teve
papel fundamental em juntar militantes da causa, espalhados mundo afora.
As pessoas estão preferindo comer
alimentos frescos, feitos em casa ou sob encomenda, do que comida industrial
processada, como as fabricadas pela Kraft Heinz, ou o fast food do Burger King.
Em bebidas a situação é similar. Os refrigerantes, bebidas carbonatadas com
açúcar ou adoçante, têm sofrido rejeição crescente. E, no caso da cerveja,
carro chefe do grupo que detêm o controle da AB InBev, as cervejas artesanais
(craft beers) fazem o papel do saudável e do novo, usando menos produtos
químicos, além de ter charme e personalidade.
Lemann reconhece que não
esperavam essa onda das craft beers quando entraram nos Estados Unidos.
Reagiram, comprando mais de 20 marcas, contrataram os líderes e aprenderam com
eles. Diz que estão preparados para continuar comprando, se essa mesma moda
acontecer em outros países do mundo.
Por último, foram atingidos pela
reação a um dos pontos mais fortes da cultura do grupo: o gerenciamento com
corte de custos e meritocracia agressiva. O grupo reinventou o Orçamento Base
Zero (ou OBZ), uma técnica antiga que consiste em determinar custos, não pelo
seu crescimento histórico, mas como se as operações estivessem começando do
zero a cada ano. Por isso, Warren Buffet, que é sócio na Kraft Heinz, disse que
eles estão entre os melhores homens de negócios do mundo.
Como reconheceu Jorge Paulo, durante
o painel, até essa eficiência tem sido objeto de crítica. O mundo passou a
esperar do capitalismo métodos mais humanizados. Um dos argumentos usados pela
Unilever para rejeitar a oferta de compra feita pela Kraft Heinz, no inicio de
2017, teria sido a cultura agressiva e abrasiva do comprador.
Uma pesquisa online do site
Glasdoor.com, reproduzido pelo Credit Suisse, feito com ex e atuais
funcionários da Kraft Heinz, mostra que apenas 29% recomendariam a empresa a um
amigo. Este percentual é de cerca de 80% na Unilever. A empresa recebeu uma
nota geral de 2.4 (em um total de 5) comparado com 3.8 da Nestlé e 3.9 da
Unilever.
Como se vê, apesar de Lemann
estar também preocupado com os efeitos dos dados e da Inteligência Artificial,
o que está tirando o seu chão e o seu sono são as mudanças advindas,
principalmente, da existência de uma nova gente, habitando esta terra, que tem
outros hábitos, vontades e certezas. É uma gente volúvel, permanentemente
insatisfeita e que quer novos produtos todos os dias, como ele próprio diz.
Estas pessoas são, ao mesmo tempo, clientes, empregados, executivos e parceiros
das corporações.
Espontaneamente, Lemann apontou 3
empresas que teriam se ajustado aos clientes e às preferências dos novos
tempos: Nike, Starbucks e Zara. São todas modelos de negócios vencedores, mas
por coincidência, não estão em suas melhores fases de adaptação ao mundo
contemporâneo.
A Starbucks está sofrendo
concorrência de lojas de café independentes (um fenômeno parecido com as
cervejas artesanais), suas vendas estão estagnadas e suas ações caíram 3% no
último ano. Nesta última semana, venderam o direito de comercializar no varejo
seus produtos empacotados para a Nestlé, por US$ 7.15 bi. Vão se concentrar nos
seus pontos de varejo para tentar crescer novamente.
O CEO da Nike, Mike Parker,
desculpou-se recentemente por não ter levado a sério reclamações dos empregados
sobre problemas no ambiente de trabalho, eufemismo atual para casos de assédio.
Aconteceu em sequência à saída de vários executivos importantes, incluindo o
segundo na hierarquia.
A Zara passou, no final do ano
passado, por protestos e ameaças de boicote de clientes em função de bilhetes
achados com mensagens como: “eu fiz esta peça e não fui pago por isso”. Eram
empregados de uma fábrica terceirizada na Turquia que fechou”. Não é incomum
que os fabricantes de roupas tenham problemas éticos nas suas cadeias
logísticas.
Nada
disso quer dizer que estas grandes marcas não vão resolver seus problemas e
moldar-se às novas expectativas e tendências de um mercado cada vez mais
exigente, não apenas com os produtos que estão comprando, mas também com a
forma como eles são produzidos.
Mas, talvez fosse mais
adequado se Lemann usasse como exemplo – e possivelmente como concorrente – a
Amazon, com a sua recente aquisição da Whole Foods. É um bom exemplo do formato
que tem o propósito de vender e entregar produtos frescos, orgânicos e
saudáveis onde o cliente preferir, em casa ou na loja.
Jorge Paulo, quando
confrontado pelo moderador com a possibilidade de ele e seus colegas não
estarem preparados para conduzir a mudança, já que suas habilidades seriam
outras, respondeu com firmeza que com seus 78 anos já tinha vivido muitas
vidas. Havia sido jogador de tênis, liderado instituições financeiras e que não
ia descansar nem ir embora. Ia reagir. Foi aplaudido pelos participantes.
Lemann tem razão. As grandes
corporações têm reagido às ameaças de disrupção reconhecendo sua situação de
risco, investindo em inovação dentro e fora de suas fronteiras, estabelecendo
uma cultura empresarial flexível e inclusiva e, principalmente, inventando os novos
produtos e serviços que os clientes anseiam e desejam.
Citou a iniciativa da criação
de um novo departamento chamado ZX na AB InBev, com novos profissionais e novas
competências, para avaliar e implementar possibilidades criativas de inovação
e, se necessário, disruptar a si mesmo. A experiência vai servir de modelo para
as outras empresas do grupo.
A 3G tem uma oportunidade
única. Reinventar a forma de criar, produzir e distribuir alimentos e bebidas
no mundo. O Brasil teria muito a ganhar. Com o advento da Quarta Revolução
Industrial os ecossistemas produtivos serão mundiais. Juntar a excelência do
nosso agronegócio com empresas globais, produtoras dos alimentos do futuro,
controlada por brasileiros, é uma vantagem competitiva absolutamente excepcional.
No darwinismo empresarial
atual, os dinossauros têm toda a chance de escapar da extinção e sobreviver.
Para isso precisam, apenas, ser inovadores, ágeis, flexíveis, mutantes e
sensíveis aos desejos e necessidades dos novos e inconstantes habitantes deste
planeta.
Não é totalmente descabido
afirmar que, em tempos tão peculiares, dinossauros, robôs e humanos possam
conviver em harmonia. Uma época jurássica transumanista.
Fonte: Exame.com
Disponível em: https://exame.abril.com.br/blog/silvio-genesini/o-pavor-do-dinossauro-lemman/
Disponível em: https://exame.abril.com.br/blog/silvio-genesini/o-pavor-do-dinossauro-lemman/
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